sábado, 7 de abril de 2012

A adaptação

Conversando com os meus avós durante o entardecer, não sei explicar em que ponto da conversa estávamos até o meu avô, com os olhos marejados aparentando saudades da infância e dos pais, nos contou o modo em que sua mãe, pacientemente, preparava a famosa macarronada de domingo.
- Era um longo processo. A mãe levantava cedo, pois tinha que deixar o macarrão secar por algum tempo. Com auxilio de duas cadeiras, ela colocava uma toalha na parte de cima e esticava os fios, cortados mais ou menos na espessura de 1cm , um ao lado do outro, para depois cozinhá-los em fogão a lenha.
Então a neta “modernosa” pergunta:
- Mas vocês não tinham uma daquelas maquininhas de fazer macarrão? (Claro, Evelin, claro que eles tinham uma máquina de fazer macarrão. De aço inoxidável, elétrica e que fazia 5 tipos das mais diferentes massas.)
- Não, filha, naquele tempo não existia essas coisas. Todo processo era feito de forma artesanal...
(...)
Adaptação.
Social, neural, biológica...
Adaptar. Verbo que faz referência a ação de acomodar ou ajustar uma coisa a outra. Tratando-se de nós, seres humanos, a adaptação prende-se ao fato de se acomodar a diversas circunstâncias e condições.
Grande parte dos nossos medos vem pela falta de conhecimento a respeito do inesperado. Nos não temos o poder de saber o que está por vir em nossas vidas. E é ai que se encontra a grande magia das coisas.
Quando descobrimos o câncer, por exemplo, a primeira pergunta que geralmente fazemos é a – claro- mais importante. Inicialmente, você não nem quer saber as suas chances de cura, tempo de sobrevida ou de todo tratamento em si, você enche os pulmões de ar, cria aquela coragem e apenas pergunta:
- E o cabelo cai, Dr.?
E não é que danado cai mesmo?
É incrível como dentro da oncologia, tudo ocorre exatamente dentro do prazo. Tem tempo certo para tudo... Nas primeiras 72 horas, por exemplo, os efeitos colaterais são dominados pelo estomago, intestino, rins, bexiga e outros órgãos. Depois eles abrem alas para o sistema imunológico, que do sétimo ao décimo quarto dia, nos fazem ficar em casa, afastados de todos os alimentos crus, amendoins e do resto do planeta. E é ali, mais ou menos no tão esperado décimo quinto dia, que os pelos se desprendem do nosso corpo como os icebergs se desprendem das geleiras.
Gente, que sensação esquisita. Eles se desprendem de verdade. Inteiros, com raiz e bulbo, uma coisa de louco. Agora, se alguém conseguir me explicar: Por que é que eu estou careca e esses dias frente ao espelho, me deparei com uma mulher de bigode? Já que é pra fazer o “serviço”, que seja completo né? Assim economizo mesmo na depilação e também já risco da lista o tal do buço.
A verdade é que – pasmem ou não – gostei dessa fase careca. Minha mãe já não implica mais se vou dormir de “cabeça molhada”, meu pai não reclama dos meus gastos com shampoo e com as perucas – o que raramente uso- , posso ter o cabelo que quiser e depois e só lavá-las, dar uma “batidinha” e pendurar no varal. Olha só que maravilha. O único problema é que requer muita disciplina em relação a “coceira”. (Esses dias fui ao casamento da minha prima e a coceira era tanta que não percebi que a deixei completamente torta. Se não fosse o aviso do meu pai, sairia nas fotos com a franja bem topo da cabeça.)
Se a minha bisavó tirava o domingo para preparar uma macarronada ao marido e mais 9 filhos, completamente de forma artesanal, sem molho de caixinha e em fogão a lenha, quem sou eu para não me adaptar ao que venho vivenciado?
Sei que pode parecer um exemplo bobo, mas quando estamos nessa fase, a gente passa a pensar e usar com mais freqüência um principio que antes, a gente costumava deixar um pouco no fundo da gaveta: o Respeito (mas não o respeito de sempre, aquele que os pais nos ensinam e que muita gente – muita gente mesmo- costuma deixar em casa quando está na rua. Aquele que a gente costuma confundir com a educação). É um Respeito diferente... Não sei se consigo explicar a vocês. Esse Respeito vem de fábrica, a gente já nasce com ele. E ele fica ali, quietinho, encostadinho no arquivo do coração, esperando que você o acesse. Depois de acessado, ele passa a se manifestar em você todos os dias e em todas as suas vivências, em tudo o que você observa. Você passa a respeitar o sol, por exemplo. Você sabe que ele está e estará sempre aqui para todos nós na Terra. Você sabe, por exemplo, que quase todas as energias conhecidas e utilizadas por nós, seres humanos, foram ou são derivadas dele. Sabe que a evaporação de parte das águas dos rios, lagos e mares é provocada pela ação dele. E mesmo assim, mesmo com toda a sua grandiosidade, ele é Humilde. Humilde, pois mesmo sabendo de sua importância, ele cede espaço a lua. O sol, que suprindo as necessidades das plantas captando a sua luz e as convertendo em energia, me deu a oportunidade de usar da comparação para admirar o jardim da minha alma, que em meio ao azedume do câncer, adubou e regou a minha terra hostil e um pouco inóspita. Permitiu que os seus raios de luz entrassem no meu jardim e fez com que um campo inteiro começasse a desabrochar. Nele renasceram: girassóis, jasmins, hortênsias, margaridas, rosas, tulipas...Evelin.

8 comentários:

  1. Eis que nasce uma bela escritora.

    To adorando tudo isso Vi.

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  2. minha querida evelin, vc pedindo desculpas pelo texto grande, que pena que teremos que esperar por mais um dia para termos o prazer de ler o novo post.Ri, de dar gargalhadas, chorando ao mesmo tempo.Que texto lindo! Impressionante a fidelidade como vc descreve o que acontece na alma e no físico em nós acometidas pelo câncer. Que bom que vc criou o blog, não seria justo esta magnitude de alma com tudo o que tem a dizer-nos ficar oculta.bjs,da leitora de carteirinha.

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  3. Um passo, um sorriso.
    Apenas quem a Vira ja a esperara.
    O poeta dizia que debaixo de uma crosta pesada nasce uma rosa. Acho que apenas desabrocha a essência.
    A vida de quem realmente vive é tão linda quanto vc consegue enxergar.
    Parabéns pelo projeto. Obrigado pela referência; pela amizade, pelo namoro, pela nossa historia. Amor.

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  4. Vi querida, esse é o seu momento de renascer, de viver novos sentimentos e aprender com tudo. Deus não nos dá pedras maiores do que as que temos forças para carregar, você é uma fofa, batalhadora, determinada, carinhosa, irradia felicidade mesmo dentro deste turbilhão que está passando, parabéns... pela sua força.
    Escreva sempre... todos os dias... estarei aqui ansiosa para ler mais um de seus textos. Mil beijos...e vc fugiu de mim esse final de semana.

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  5. Priscilla Marques08 abril, 2012

    Como vc escreve bem! Meu Deeeus! Meus parabéns, amore!

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  6. Oi, não esqueci não, estou aqui acompanhando cada amanhecer, cada movimento e cada ação, e principalmente a sua força e adoração pela vida. Eu te amo demais...bjs....

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  7. mari vilas boas scarelli09 abril, 2012

    adorei!suas palavras e sua intimidade confirma cada vez mais a garota especial que você é. beijo!

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  8. Lindo demais...
    Estava passando pelo post mais recente do blog e lá indicava este aqui... que bom que estava entre os mais lidos... facinho de achar.
    Me encatei mais uma vez por suas palavras ...

    Um bjo grande
    Sara Ramos

    http://sarinha-ramos.blogspot.com.br/

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