sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O câncer e a infertilidade


Ao primeiro dia, os quarenta e seis cromossomos do zigoto conferem-lhe uma identidade genética única e irrepetível. Nesta célula única, já estão determinadas características como o sexo, a cor dos olhos e do cabelo, a estatura, até o potencial de inteligência. A partir da 3° semana, o coração já começa a bater. O seu sistema nervoso e os seus órgãos principais começam a tomar forma.

Na 8° semana, dá-se como terminado o período embrionário. O bebe terá músculos nos membros, no tronco e na face, além de orelhas e dedos nas mãos e nos pés.

A partir da 10° semana, o bebé medirá cerca de 6 cm e pesará cerca de 14 g. Além disso, ira abrir e fechar os olhos. Os ossos começarão a crescer, mas a coluna e as costelas ainda serão moles.

(...)

Existe um assunto dentro do câncer de mama que é guardado no fundinho da gaveta por grande parte das moradoras deste edifício oncológico: a infertilidade.
No meu caso, a proposição de congelar os meus óvulos foi feita segundos após o recebimento do diagnóstico.

- Você poderá congelá-los, Evelin, mas tenho certeza que ser mãe aos 23 anos não faz parte do seu planejamento atual de vida e essa é uma das vantagens desse tratamento. Disse o médico, esboçando um leve sorriso. Você poderá pensar nessa possibilidade aos 30, 35 anos, o que acha? Seus óvulos estarão guardados e o seu sonho materno poderá ser realizado.

Como se conta a uma mulher que -por algum motivo- o curso do seu rio da vida foi modificado?

Aquele dia, voltei para casa repetindo incansavelmente enquanto observava a vista por fora da grande bolha de silêncio gerada dentro do carro:

- Dentro de alguns dias, serei infértil. Como o solo, pobre em nutrientes.

Aos 23 anos, a minha atual situação havia imposto a retirada das mamas e a queda dos cabelos, mas a historia de infertilidade me parecia eterna demais. Fixa demais. E de verdade? Doía. Doía no fundo da alma. Doía em silêncio. Uma ferida estranha, misturada aos flashes de “como a minha vida seria se...”.

Naquele mesmo dia, acordei de madrugada e vi que a televisão continuava ligada. Nela, passava um documentário falando sobre o trajeto do rio até cair no oceano. Pesquisei o assunto na internet e encontrei um texto (de um autor desconhecido) que falava mais ou menos assim:

“Dizem que mesmo antes de um rio cair no oceano, ele treme de medo. Ele olha para trás, para toda a jornada: os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que, entrar nele, nada mais é do que desaparecer para sempre.
Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas... Ir em frente.”

Seguir em frente...

A verdade é que o nosso conceito sobre maternidade está um tanto quanto “caduco”.

Posso lhes contar mais uma história, a de como descobri sobre esse conceito?

Estava em minha primeira consulta com o cirurgião plástico. Na mesa, varias próteses de silicone de diversos formatos e texturas (como queria ter levado algumas para casa. Próteses de silicone são infinitamente melhores do que as bolinhas anti stress). Minha mãe, em pé, estava inquieta e ansiosa. Inicialmente, não compreendi muito bem o motivo, aquele comportamento não era comum. Senti que ela queria perguntar algo, mas continuei a ouvir as proposições do médico. Entramos em uma salinha reservada e vesti um avental oferecido por uma auxiliar.

Minutos depois, o meu conceito sobre maternidade mudou. Minha mãe, depois de uma longa espera, virou ao médico e disse com uma fortaleza assustadora:

- Gustavo. Sei que pode parecer uma pergunta ignorante, mas tenho 50 anos e já amamentei dois filhos. Minha filha tem 23, ficará completamente sem cabelos e por causa desse câncer, terá que retirar toda a mama... (segurou o choro, mas continuou a conversa muito emocionada) Gostaria de saber, Dr., se existe alguma possibilidade d´eu doar os meus mamilos pra ela...

Então, enquanto o Dr. explicava que isso não seria possível, admirei  apaixonadamente e profundamente aquela mulher emocionadíssima e envergonhada. O meu desejo em ser mãe –e uma mãe como ela- passou a ser gritante. Infinitamente mais gritante que o câncer e a infertilidade. Quero ser para o meu filho aquilo que a minha mãe, aquele dia, me deixou marcado: Ali, no jardim da minha alma e em meio ao azedume do câncer, minha mãe adubou e regou a terra infértil, hostil e um pouco inóspita. Minha mãe, com seus raios de luz, entrou no meu jardim da alma e fez com que um campo inteiro começasse a desabrochar.
Decidi seguir o curso natural do meu rio da vida, mas antes, agradeci o longo caminho, as paisagens e as montanhas. Não senti mais medo do oceano.

 

“O medo só desaparece, quando o rio adentra ao oceano. Porque assim, e apenas assim, o rio saberá que na verdade não se trata em desaparecer no oceano e sim, tornar-se oceano.”

Obrigada, mãe.
E vamos em frente...

9 comentários:

  1. Nossa!!! Não tenho palavras...

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  2. minha querida Evelin, que emocionante, e que MÂE essa CELIA! vc Evelin, sempre teve um oceano de coisas boas dentro de vc, de sentimentos bons,de emoções. Esse oceano hoje banha com suas emoções vividas vários continentes,que estão representados por cada pessoa que lê o seu blog ou que te conhece, levando esperança e demonstrando que a vida é para ser vivida e não chorada!bjs

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  3. Amor materno.
    O amor,esse amor é uma virtude a um sentimento instintivo.Anatureza deu a mae o amor a seus filhos no interesse da concervaçao deles.
    Algo divino e milagrosso existe entre mae e filha.
    Mae nos a chamamos por essa palavra tao pequena .Mas o sinonimo exprime o maior dos sentimentos .Sua vida ja nao mais lhe pertence Se abdicou dela ao colocar sua filha no mundo.Mulher forte destemida,batalhadora .Guarda para si suas angustias.Procura sempre poupar a filha.Busca dentro de si forças para ajudar com palavras,gestos,carinho dando seu colo .Faz sentir-se sempre presente a todo instante.Sou mae dessa mulher maravilhosa e avo da Evelin,que posso escrever sobre as duas,nada alem de dizer que as amo muito de todo o meu coraçao.
    Beijos Aboelita

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  4. Quando Maisa me deu o diagnostico, recebido, friamente, numa sala de hospital, onde o Medico, sequer perguntou se ela estava so, quase desabei de tanto chorar e corri para uma igreja (que estava fechada) mas tinha uma arvore em frente, onde parei e comecei a perguntar a Deus. Por que nao eu, em vez de minha filha? Hoje tenho a resposta. Ela e mais forte que eu. Suportou tudo e suporta tb a ideia de nao poder ser mae de um filho gerado por ela. Mas, se for a vontadde de Deus, esse flho vai aparecer de uma outra forma. Assim sera com voce Evelin. Muitos filhos voce podera ter, e so amar criancas, ajudar e respeitar. Um beijoooooooooo. Anaaguiar

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  5. Evelyn!!! Seus textos tem o poder de tocar a alma da gente!!!O amor materno é uma energia sublime, tão grande, que nesse mundo, posso garantir, que não há maior!!Senti esse amor por apenas algumas semanas, ele me transformou, e posso dizer que hoje vejo o mundo com olhos de amor... mas sua missão foi cumprida assim que me levou para descobrir o câncer... Entendo o que sua mãe sentiu... é desconcertante ver quem se ama sofrendo...
    Mas é importante salientar que a infertilidade no tratamento de câncer é uma possibilidade, mas não é uma sentença! Além do congelamento dos óvulos, ainda algumas meninas usam medicamentos que ajudam a "poupar" os ovários.
    Eu consegui o congelamento de óvulos num hospital público, mas na maioria do país,o custo não é acessível para maioria das pessoas.Os convênios não cobrem normalmente. Um dos procedimentos também que podem ser feitos no caso da pessoa não produzir mais óvulos é usar os óvulos de uma doadora com as mesmas características, pois a pessoa pode realizar a vontade de ter um filho da própria barriga, ver crescer , nascer etc. A Adoção é sempre uma possibilidade a se considerar quando se quer ser mãe. é um ato lindo, um amor que vai ser construído... pois nessa vida o que importa é ser feliz, seja como for...

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  6. Só tenho a dizer que, independente de como acontecer e não importando se vc gerou/ amamentou essa criança, vc vai ser uma mãe MARAVILHOSA um dia! E eu vou mimar tanto essa criança que vai até dar um trabalho extra pra vcs educarem! hahaha

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  7. Sinceramente, vou parar de ler os seus textos. Eles me fazem chorar sempre. Agora imagine, como vou explicar para minha filha, que acabou de chegar, que o seu Pai, com um metro e oitenta, cem quilos, chorando ao ler a página da Menina do Lenço Cor de Rosa. IMPOSSÍVEL.

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  8. Ei menina cor de rosa... seu texto nao poderia ser mais propicio. Tenho um desejo enorme dentro de mim que nasceu mesmo antes de eu me entender como gente. Um desejo de compartilhar, de ensinar, de ser mãe. E ta cada vez mais gritante quando penso que minha maezinha pode nao estar aqui para ver ... uma vida crescendo dentro de mim. Doe ... doe muito. A vontade de jogar tudo pro ar e apenas viver esse sonho AGORA, pois o amanha pode não existir. Não sei o que faria se descobrisse que não posso gerar essa vida dentro de mim. Sei que esse amor é tão grande... que chega sufocar. E você menina? Que honra terá a criança que a tiver como mãe. Uma guerreira inccrível... minha ídola. Vou para por aqui porque algo ta me apertando... um aperto que machuca ... que com vc seja diferente... Sei que sua mãe será ainda mais feliz quando ver em vc a realização de todos seus anseios. VOCES são para mim meu espelho.

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