quarta-feira, 2 de maio de 2012

Chama o síndico

A você, novo morador do edifício oncológico, saiba que residir nesse novo endereço de forma temporária tem um fator um pouco inesperado: a falta de tempo.
É uma correria danada para um montão de coisas em determinados ciclos. Você pede um tempinho para respirar fundo e tomar um pouco de fôlego, mas graças aos novos treinadores “carrascos”, fôlego você só consegue mesmo graças aos horários comerciais dos médicos, dos exames e das consultas. E é bom. Bom, porque não sobra tempo para o “lado negro da força” consumir a sua mente. Quando você começa a reclamar do frio, por exemplo, que te faz usar da comparação para se olhar no espelho e chegar a conclusão que você definitivamente chegou bem próximo de parecer um “danoninho ice”, chega alguém e te espeta uma agulha.
Mas não reclamo não... Agradeço muito o fato de cada espetada ter uma finalidade importante na minha vida. Nenhuma foi desnecessária até agora...
E por falar em espetadas, é mais ou menos sobre esse assunto que hoje gostaria de chegar.
De uns tempos para cá tenho vivenciado algumas experiências novas no meu dia a dia. Uma delas foi a congestão. Das bravas, almocei duas vezes, comi uma travessa inteira praticamente sozinha de lasanha e 3 fatias de pizza –fora todo o refrigerante-  (Pode parecer pouco, mas meu peso inicial ao tratamento era de - menos que um Dobermann- 42kg. ) E não deu outra: fui parar no hospital. 
O estado inicial pareceu um pouco sério aos médicos, fiz um eletro logo de cara, precisei de auxílio para respirar, rx de tórax e alguns exames de sangue. Duas horas depois a médica apareceu dizendo que a suspeita era de trombose e que precisaria de mais um exame para descartar o diagnóstico: A gasometria arterial.
Ao notar a expressão de profunda tristeza da médica em pedir o exame, retirei a máscara de oxigênio do rosto, tomei fôlego e fiz a maravilhosa pergunta – comum a todos os seres humanos-:
- E esse exame dói, Dra.?
Por que diabos a gente pergunta esse tipo de coisa? Logo eu, que até àquela altura do campeonato havia feito tudo nas “escuras” e com orgulho, tive uma recaída a curiosidade e não resisti. E dancei. Dancei macarena, frevo, samba de gafieira... Dancei com o medo, com a fuga da risada, com a vontade de sair correndo gritando que já estava curada. Dancei porque o medo entrou no salão da minha cabeça, rindo da minha cara... Apontando o meu lado fraco, me abraçando forte de tanta saudade.
E sabe em que parte da historia me senti a pessoa mais abobalhada do mundo? Justamente na hora em que senti que o exame não foi nada do que a médica havia dito, que por sinal completou o desespero geral da família dizendo a minha mãe:
- Fique tranqüila, senhora, para quem faz quimioterapia esse exame não é nada...
Doeu, ué, mas chutar o dedinho no cantinho da mesa também dói. E dói muito mais que gasometria arterial, viu? E do que qualquer outra “espetadinha”.

Prolongando menos a conversa com vocês, gostaria de lhes deixar o conselho mais nobre de todas as minhas vivencias: Perguntem menos sobre o lado negativo – mais uma vez- do edifício oncologico. Não queiram saber o que a pessoa sentiu com os efeitos da quimioterapia ou se tal procedimento dói, por exemplo. Cada organismo responde de uma maneira. Não deixe o medo e a ansiedade dominarem o jogo. Assim como um grande edifício, existem moradores que gostam de subir alguns poucos andares pelo elevador e existem aqueles que reclamam absurdamente quando graças ao termino da energia, se deparam com o fato de subir alguns andares pela escada. E se um dia quiser morar na cobertura do seu edifício interior, saiba que em determinados momentos você precisará mesmo chegar até a sua residência através das escadas... Não tem escapatória. Nesse dia, não tenha medo: Lembre-se da vista.
E vamos em frente.

9 comentários:

  1. querida evelin, depois de toda essa experiência a "vista" que terá da vida não será a mesma.terá feito PHD em todas as situações, eheh.força! estou fazendo meu comentário agora, mas já havia lido e em voz alta para uma amiga ouvir, voz embargada pelo choro, que vc mesma corta com seus comentários no decorrer do texto.
    agradeço mais uma vez por dividir esse seu dom de escrever conosco, e fazer-nos olhar as dificuldades com outros olhos, os olhos de uma menina linda, jovem, mas com força e sabedoria.

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    1. Cê, os seus recados são os responsáveis pelos sorrisos mais sinceros do meu dia. Você tem noção do bem que faz as pessoas?
      Obrigada por tanto carinho, querida, você foi um presente nas nossas vidas.
      Muitos e muitos beijos

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  2. Nossa, to besssssta de como seu dom da escrita aflora a cada dia!

    Já tava com saudade dos seus posts!!!

    Beijoooo

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  3. Vi, li para o meu pai e ele se deliciou com a sua maneira de escrever, a sua fluencia,a riqueza da estoria. Ele sujere que voce escreva um livro contando, com este seu estilo gostoso de ler, o seu drama pessoal. Ele garante que ficará melhor que o " Veia Bailarina" do Inacio de Loyola Brandão. Vô Décio manda beijos, e eu assino em baixo.

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    1. Que de-li-cia de recado, Pá. Estava a tempos sentindo uma vontade enorme de pedir a opnião do Vô Décio a respeito do blog e aos textos, mas fiquei insegura (o seu pai escreve maravilhosamente bem e eu não sei nem a regra dos "porques" direito. rsrs)
      Conversamos melhor no final de semana, está bem?
      Obrigada pelo comentário (fiquei animada e li em voz alta para todos. Até liguei para o Felipe. rs)
      Muitos e muitos beijos

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  4. Amiga, tá na hora de tu escrever 'oficialmente'...é sério!!!
    Tu é muuuuuuuuito boa nisso!

    Quer dizer que tu foi parar o hospital pq comeu demais? Que susto hein?
    Sobre a gasometria...eu coleto quase todos os dias dos pacientes (hoje coletei duas), é tão horrível assim?

    Bjão e saudades!

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  5. Mo, jura que você gostou do texto?
    Disse a Celeste que está insegura, pois achei um texto simples. Sei lá....

    Quanto a gasometria, o ruim não é ter que fazer o exame, o ruim é ouvir o que as pessoas dizem a respeito dele. A médica e o bioquímio que o coletou me disseram coisas horriveis...fiquei com um medo danado.
    O exame em si não doi. É meio estranho de se fazer, concordo, mas a dor mesmo vem depois da coleta do sangue arterial (e a forma como a agulha desce). Ah, e o roxo que fica no punho? risos
    Mas de roxo nos já estamos acostumadas, né?
    Como foi a radio?

    Beijos e mais saudades ainda!

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  6. Vc é simplesmente fantástica... tô com saudades.
    Bjinhos.
    Mamá.

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