domingo, 8 de abril de 2012

O dia D

Realmente não sei dizer o horário em que tudo explodiu. Sei lhes contar como foi.
Minha mastectomia ocorreu três dias antes da virada do ano e acredito que essa parte do pós operatório tenha sido a mais difícil em todo o tratamento até hoje. A previsão de alta era apenas de um dia, mas não conseguia sair da cama. É aquela hora em que o corpo dita as regras. A hora em que a tão conhecida frase “querer não é poder” gruda mais na sua mente do que aquela música estranha, cantada pelo Michel Teló.
Era a segunda madrugada hospitalar e quase tudo me gerava tristeza. Olhava para a chuva caindo lá fora e como se pudesse narrar a historia daquele momento, dizia em voz baixa: “e Deus chorava”. Olhava para as ataduras por baixo do queixo e assustada com o novo volume, dizia novamente , ainda irritada: “Mas a Pamela Anderson que se cuide...” (Como não precisei de radioterapia, também não precisei fazer uso do extensor. Então, como manda o ditado, já que estava na chuva, aproveitei para me molhar fazendo uso das famosas próteses de silicone.)
Naquela mesma madrugada, desisti. As provações físicas eram grandes demais. Acho que o organismo entra em pane nessa de se adaptar com as agressões internas. Comecei com uns calores estranhos, fome, enjôo, dores nas costas e outros fatores que não me lembro no momento. Acordei meus pais, que dormiam separadamente, um em uma cadeira de acompanhante e outro em uma poltrona um pouco mais confortável:
- Meu Deus do céu, por favor alguém me ajuda!!!
- O que você esta sentindo, minha filha?
- Eu não sei. Estou com calor, me abana pelo amor de Deus...
- Mas abanar? Esta muito frio aqui dentro.
Lembro-me do exercício de praticar o silêncio. Não queria que a voz entrasse em acordo com os meus pensamentos, mas o desespero do meu organismo foi tanto, que afetou a minha capacidade de não preocupar os meus pais:
- Eu não agüento mais... eu não agüento mais... por favor, eu não agüento mais.
Minha mãe disse na manha seguinte - claro que alguém entrou no quarto e me fez cair nos braços de Morfeu- que perguntava incansavelmente o porquê disso acontecer comigo. A resposta apareceu naquela manhã mesmo, graças ao meu companheiro de quarto, Feeling (vocês estavam com saudades dele, não estavam?).
- Por que eu, meu Deus, por que comigo??
E foi como se uma voz respondesse pacientemente:
- Por que não com você?
Foi ai que então passei a aceitar todo o dignóstico como um presente.
O câncer chegou à minha vida, trouxe um milhão de coisas novas e só levou a minha mama. Que por sinal, graças as próteses, estão como eu sempre quis.
Então você pensa:
- Mas você acabou de contar uma baita historia triste.
É, você está certo. Existe sofrimento nessa caminhada, não vou negar... Mas esse tipo de sofrimento é como visita chata: Chega sem avisar, come o que tem na geladeira e depois vai embora.
E por merecimento dessa mesma fase que te judia, ela também lhe dá o presente do esquecimento. Graças a ele, não guardamos a referência da dor física. Lembramos quais foram as sensações, mas não conseguimos acessá-las como quem prepara um macarrão instantâneo.
É o que me salva durante as 72 horas após as sessões quimioterápicas. É o que te salva após o termino de um relacionamento ou daquela ressaca brava após o churrasco de sabado.

É o que nos salva...é o que nos salva.

4 comentários:

  1. Minha amada sobrinha!É impressionante como vc consegue levar este problema com a maior naturalidade.Afinal,lembra quando você me dizia que queria ter a coragem com tive de cortar os cabelos tão curto como cortei.Enfim,aí está vc,linda,careca e irradiando a todos com sua beleza interior e exterior.Quero que saiba que estamos com vc em todos os momentos e fazes da sua vida.E que lendo nestas entrelinhas,agora sabemos o porque vc.Para que vc nos ensine...te amo muito!!!!!! Tia Dani.bjos

    ResponderExcluir
  2. rsrsrs!!!correção, fases!!!!

    ResponderExcluir