Lembro-me como se fosse ontem. Estávamos em uma sala quentinha, com uma pequena mesa de madeira maciça logo à frente de duas cadeiras estampadas e um sofá aparentemente confortável. Na parede, uma também pequena lousa branca, carregada de antigas marcas de caneta no sentido mais literal da representação da ação “entendeu ou quer que eu desenhe? ”.
E ali estava ela, observando atentamente a garota do lenço cor de rosa – que já tem seus cabelos no estilo Chanel e que nitidamente não necessita mais ser denominada dessa maneira – enquanto tentava encontrar um espaço entre uma respiração e outra para dizer as palavras que serviriam como um grande estalo:
- Evelin, preciso te falar algumas coisas, se me permite. A primeira: Você não tem culpa! Para cada palavra negativa que disser sobre você mesma, preciso que faça o exercício de reconhecer pelo menos duas virtudes. Você sabe que não será difícil... A segunda, e que considero mais importante, disse enquanto caminhava suavemente até a parede com a lousa branca, preciso que me defina com uma palavra o que resume todo o seu processo com o câncer. Leve seu tempo, mas quando encontrá-la em sua mente, não a deixe ir embora.
- Sobrevivência! Respondeu depois de longos minutos e engolindo o choro. Cheguei até aqui porque queria sobreviver.
- Muito bom! Era exatamente o que esperava ouvir de você... E hoje, também em uma única palavra, do que exatamente você precisa? Leve o seu tempo...
(...)
Existe um processo na vida pós câncer que é consideravelmente cansativo e intenso: O de seguir, literalmente, em frente.
Confuso, né? A mesma frase de todo final de texto no decorrer desses 4 anos tem um sentido além do propriamente dito. Demorei um pouco até entender que você realmente pode (e deve) seguir em frente.
E se você enfrenta nesse exato momento o ‘core’ de um processo oncológico, posso afirmar após tantas cicatrizes o quanto a convivência com o câncer não é algo fácil de curar. E, sinceramente, agora que toda a mais intensa tormenta passou e resta-me apenas admirar o mar em seus suaves movimentos, acredito com todas as forças do meu coração que conviver com o fantasma dele também não seja. Levei um tempo para me desprender da sensação de viver como se pudesse morrer a cada momento. Não me refiro a morte que sempre me fará enxergar todas as coisas com gratidão, mas da morte que faz a gente sentir medo do grande quarto escuro que também é a vida, como os monstros do armário durante a infância.
Sentir medo da morte é algo totalmente valido enquanto enfrentamos algo difícil, como um câncer por exemplo, mas conviver com alguém que vive com medo torna-se um desafio extremamente cansativo para aqueles escolheram caminhar ao seu lado no dia a dia. Difícil reconhecer isso? É. Fácil de mudar? Não. Mas se você está preso dentro desse conceito de acreditar que o seu processo é solitário, está na hora de mudar isso. É hora de pensar diferente.
Mas a convivência desprendida vem do desafio diário de enfrentar exames, consultas, efeitos colaterais, remédios, nódulos suspeitos, decisões que aparecem de surpresa e que precisam ser tomadas a curto e longo prazo, pessoas que chegam e pessoas tão queridas que partem... É isso: O grande presente chamado vida é embrulhado por Deus com alegrias e tristezas.
Processo lindo esse de me enxergar tão humana.... De tentar aceitar com o máximo de gratidão cada elemento dentro de cada um desses mesmos processos. Foi isso que me fez sumir por um tempo. E como todo processo de aceitação, tudo o que hoje escrevo com a mesma fé de antes também teve o seu preço: Diminui meu convívio social, parei totalmente de escrever para contar minhas histórias e parei até mesmo de responder todos as carinhosas mensagens que recebi e que recebo diariamente de grande parte de vocês. Quando me vi, já não me enxergava merecedora de cada palavra de incentivo e luta: Eu já havia sobrevivido...
Quando me vi, estávamos sozinhos: Eu, minha gratidão por absolutamente tudo que me cercava e o medo de perder tudo, também absoluto.
Mas o que é absoluto não se vai. Ele fica aqui, encostadinho em um canto do peito, demonstrado em cada lagrima que disfarçadamente cai do rosto. O Criador concede a Força àquele que verdadeiramente muda.
Ao processo de aceitar o novo eu que hoje sou, sobre o que já fiz e também sobre a real companhia de todos os que já, de certa forma pequenina até, “conquistei”: Muito obrigada por ter me mudado.
Aos que também enfrentam o desafio de recolher e arrumar a bagunça gerada pelo turbilhão de sensações e emoções que é o câncer na fase pós-sobrevivência, apenas não tenha medo.
...
Alguns longos minutos se passaram e a garota do Chanel castanho escuro estava completamente afundando em seu mar de conflitos, sensações e sentimentos.
- Eu preciso... eu quero.... Não! Talvez fosse melhor se eu...
Mas ela não precisou de muito tempo para entender o recado. Foram apenas duas pinceladas com o pequeno apagador, desintegrando da palavra “Sobreviver” as letras s, o, b, r, e ...
- Minha querida, faça um favor a você mesma e reconheça o presente que o câncer deixou antes de partir: Volte ao mundo e apenas viva!
Um brinde ao nosso maior presente... E as diversas formas de se seguir em frente.
Lenço Cor de Rosa
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
sábado, 24 de outubro de 2015
Carta para Celeste
Querida Celeste, chegou o momento de fazer um texto para chamar de seu. Texto para agradecer sua existência – e agradecê-la pelo impulso ao descobrir a minha.
O tempo correu, nosso planeta girou, as estações mudaram por alguns anos e a sensação de gratidão continua a mesma. Lembro-me com perfeição da minha primeira frase ao te receber em meu facebook com sua careca exposta e sorriso estampado ao rosto: Sim! Existem anjos na Terra.
É exatamente isso que você representa aqui dentro de mim. E é sobre isso que tanto me emociono ao poder escrever e mostrar às pessoas o poder da influência positiva que só o “acreditar” modula, muitas vezes reforma – e assim, transforma.
Quando eu ainda não me conhecia, você acreditou em mim. Aí de longe, no Espirito Santo, ainda sem abraços ou braços, ainda sem vozes, sons de risadas e contemplação do silêncio. De você, querida Cê, nasceu a iniciativa do Lenço Cor de Rosa – inspiração para o projeto que hoje já atendeu e levou esperança e acolhimento à mais de 1.500 mulheres gratuitamente por esse País. Mais de 1.500 mulheres presenteadas pela mesma oportunidade de poderem, através do grandioso sentimento de gratidão, retransmitir o amor e a consciência pela dor do próximo. Mulheres que foram surpreendidas pelo toque do “amor desconhecido”, o e mesmo amor que nos uniu e assim gerou raízes e sombra para os nossos momentos de descanso. Querida Cê, que poder o “acreditar” tem. Quais poderes podemos realmente ter, quando usamos apenas do amor para mostrar o caminho ou apenas fazer companhia diante a jornada do outro?
Muitas vezes, podemos nos sentir para baixo ou sem esperança em nós mesmos. O mundo anda um tanto quanto impiedoso, como o poeta Cartola tocantemente nos presenteou em “O mundo é um moinho”. Muitas vezes, somos condicionados a pensar e a limitar nossas capacidades e intenções, mesmo quando nos encontramos naquele ponto do que consideramos humanamente correto. Muitas vezes, somos o nosso próprio mundo, nosso próprio carrasco. Acreditamos que por sermos humanamente imperfeitos, encontramo-nos longe do merecimento de uma vida farta de felicidade – e muitas vezes, farta de saúde.
Junto a minha iniciativa de acolher uma até então desconhecida que enfrentava o mesmo problema que eu, nasceu o reconhecimento mais lindo e bem aproximado dos conceitos cristão que aprendi quando pequena: Deus está em todas as coisas. No orvalho que abraça as folhas pela manhã, no sol que toca apenas um lado da montanha... No barulho do digitar de um teclado, na compaixão por uma história, no sorriso à um desconhecido. Deus está em todas as coisas... E está, principalmente, aqui dentro do peito.
Querida Celeste, alguns seres humanos, muitas vezes inconscientemente, carregam em suas palavras o sopro da vida. “Que você continue forte”, “Que suas palavras sirvam para ajudar muitos e muitos por essa jornada”, “Que você descubra sempre o seu tamanho frente ao mundo”, “Que seu amor seja sempre recompensado”, “Que você tenha um bom dia – uma boa vida”, “Eu reconheço seus erros, pois enxergo neles cada um dos meus. Também preciso crescer...”.
Ter fé é um desafio dos mais difíceis. É como a eletricidade: Você não pode enxerga-la, apenas enxerga a luz. Entretanto, o mesmo Criador nos concedeu o desafio de vencer a maior fé implantada aqui nesse planeta: O de termos fé em nós mesmos.
Graças ao seu sopro, o desafio foi aceito – e se tornou diário. Muito obrigada por ter me ensinado o caminho.
Desejo ao mundo mais pessoas como você.
O tempo correu, nosso planeta girou, as estações mudaram por alguns anos e a sensação de gratidão continua a mesma. Lembro-me com perfeição da minha primeira frase ao te receber em meu facebook com sua careca exposta e sorriso estampado ao rosto: Sim! Existem anjos na Terra.
É exatamente isso que você representa aqui dentro de mim. E é sobre isso que tanto me emociono ao poder escrever e mostrar às pessoas o poder da influência positiva que só o “acreditar” modula, muitas vezes reforma – e assim, transforma.
Quando eu ainda não me conhecia, você acreditou em mim. Aí de longe, no Espirito Santo, ainda sem abraços ou braços, ainda sem vozes, sons de risadas e contemplação do silêncio. De você, querida Cê, nasceu a iniciativa do Lenço Cor de Rosa – inspiração para o projeto que hoje já atendeu e levou esperança e acolhimento à mais de 1.500 mulheres gratuitamente por esse País. Mais de 1.500 mulheres presenteadas pela mesma oportunidade de poderem, através do grandioso sentimento de gratidão, retransmitir o amor e a consciência pela dor do próximo. Mulheres que foram surpreendidas pelo toque do “amor desconhecido”, o e mesmo amor que nos uniu e assim gerou raízes e sombra para os nossos momentos de descanso. Querida Cê, que poder o “acreditar” tem. Quais poderes podemos realmente ter, quando usamos apenas do amor para mostrar o caminho ou apenas fazer companhia diante a jornada do outro?
Muitas vezes, podemos nos sentir para baixo ou sem esperança em nós mesmos. O mundo anda um tanto quanto impiedoso, como o poeta Cartola tocantemente nos presenteou em “O mundo é um moinho”. Muitas vezes, somos condicionados a pensar e a limitar nossas capacidades e intenções, mesmo quando nos encontramos naquele ponto do que consideramos humanamente correto. Muitas vezes, somos o nosso próprio mundo, nosso próprio carrasco. Acreditamos que por sermos humanamente imperfeitos, encontramo-nos longe do merecimento de uma vida farta de felicidade – e muitas vezes, farta de saúde.
Junto a minha iniciativa de acolher uma até então desconhecida que enfrentava o mesmo problema que eu, nasceu o reconhecimento mais lindo e bem aproximado dos conceitos cristão que aprendi quando pequena: Deus está em todas as coisas. No orvalho que abraça as folhas pela manhã, no sol que toca apenas um lado da montanha... No barulho do digitar de um teclado, na compaixão por uma história, no sorriso à um desconhecido. Deus está em todas as coisas... E está, principalmente, aqui dentro do peito.
Querida Celeste, alguns seres humanos, muitas vezes inconscientemente, carregam em suas palavras o sopro da vida. “Que você continue forte”, “Que suas palavras sirvam para ajudar muitos e muitos por essa jornada”, “Que você descubra sempre o seu tamanho frente ao mundo”, “Que seu amor seja sempre recompensado”, “Que você tenha um bom dia – uma boa vida”, “Eu reconheço seus erros, pois enxergo neles cada um dos meus. Também preciso crescer...”.
Ter fé é um desafio dos mais difíceis. É como a eletricidade: Você não pode enxerga-la, apenas enxerga a luz. Entretanto, o mesmo Criador nos concedeu o desafio de vencer a maior fé implantada aqui nesse planeta: O de termos fé em nós mesmos.
Graças ao seu sopro, o desafio foi aceito – e se tornou diário. Muito obrigada por ter me ensinado o caminho.
Desejo ao mundo mais pessoas como você.
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
De paciente à acompanhante: Como (também) sobreviver?
Eu sei, talvez só título já assuste um pouquinho...
Existem alguns processos dentro do universo oncológico que considero importantes e que gostaria de menciona-los por aqui, se me permitem: O primeiro é a sensação de ser um paciente, que é como um passeio constante em uma grande montanha russa emocional e isso vocês já sabem, já que escrevo por aqui semanalmente toda essa saga interna repleta de altos e baixos. Depois – e definitivamente não menos importante - vem a dualidade de forças quando você também se descobre um acompanhante nessa jornada.
Uma grande amiga de diagnóstico sugeriu no facebook que escrevesse sobre isso. Sua sogra faleceu recentemente, diagnosticada com o mesmo tipo de câncer que ela. É um tema delicado, mas confesso que me sinto segura para escreve-lo, já que dois anos depois do recebimento do meu diagnóstico descobrimos que minha mãe também entraria para as estatísticas e considerando que também já “perdi” algumas amigas que conviviam dentro dessa mesma rotina. O câncer da minha mãe, graças a detecção precoce, foi bem menos invasivo que o meu, com exceção a algumas cirurgias e aspectos emocionais que considero mais agressivos (ela retirou as duas mamas, útero, ovários e trompas).
Parece meio absurdo, mas tentarei explicar porque acredito que ser paciente, nessas horas, é uma situação um tanto quanto mais “segura”. Quando minha ficha caiu e realmente vi que minha mãe me faria companhia, minha primeira reação foi a de achar que tudo o que havia vivido - e principalmente sentido e agradecido - era na verdade uma grande mentira vivida e alimentada dentro da minha cabeça. Quando se é um paciente, a gente sabe que na verdade não existe outro caminho a percorrer que não seja o da sobrevivência. É por esse motivo que não me sinto nada heroína ou guerreira: Eu não tive escolha.... Era lutar ou morrer.
Mas ser acompanhante é diferente, totalmente diferente! Conviver com alguém diagnosticado lhe trás junto ao "pacote" uma das maiores sensações de impotência do mundo. Ainda mais no "combo": paciente + acompanhante. Esse é de tirar o fôlego! Você reconhece algumas dores e cicatrizes, por vezes chora o mesmo choro, se vê sentindo os mesmos medos e mesmo assim não consegue oferecer nada muito além da sua companhia e – poucas vezes - testemunho. Aí é que coisa meio que complica.
Quando se é acompanhante, a gente não sabe muito bem como prosseguir: Independe da gente.
Hoje, apenas um pouco mais amadurecida com essa ideia, abro meu coração e conto que quando soubemos que minha mãe também tinha câncer, eu (com toda minha curta bagagem cirúrgica, quimioterápica e radioterápica) não consegui inicialmente encara-la. Não sabia o que lhe dizer, o que sentir, como proceder... E enquanto me deparava com todas aquelas sensações e medos, fui naquele mesmo instante sentindo nossas historias se fundirem lenta, profunda e completamente, junto a cada palavra dita, cada sensação e reação.
O tempo ajudou? Sim, mas as vezes até hoje, quando a vejo sofrendo, preciso dos meus momentos de introspecção para realmente aceitar que algumas situações aqui na Terra não precisam de uma explicação concreta, além desse reconhecimento de aproveitarmos cada nova oportunidade de testarmos a nossa fé dentro da mais profunda situação abalável.
A verdade de um acompanhante? Ele sente muito medo! Eu tive medo pela minha mãe. Medo de não vê-la no meu casamento, de não cumprirmos juntas a nossa promessa de plantarmos uma pequena mangueira que futuramente serviria de balanço para seus também futuros netos no sitio. Tive medo de nunca mais conseguir olhar aquele sorriso com dentes tão milimetricamente certinhos, de esquecer com o tempo o calor que só o colo dela tem. Medo de perdê-la para o diagnostico, medo de também me enxergar dentro daquele diagnostico.
Peço desculpas às minhas companheiras de jornada, mas sinto que também preciso falar sobre isso. Muitas vezes, quando perdemos uma amiga, sentimos inicialmente a dor da saudade, mas depois nos deparamos com um dos sentimentos mais naturais desse mundo: O de sentir um enorme frio na barriga pelo assombro do câncer ao se deparar perguntando “O que realmente acontecerá com a minha vida?”.
Conversas duras a parte, reconhecer o medo da morte também nos mostra o valor contido dentro da existência de cada segundo vivido. Um dia, inevitalmente, iremos embora. Que a gente saiba reconhecer através dos nossos medos uma nova e diária oportunidade de renascimento. E isso, exatamente isso, nos coloca em mesmo patamar entre o universo dos pacientes e dos acompanhantes.
Stelinha, esse texto é pra você. Continue forte.
Existem alguns processos dentro do universo oncológico que considero importantes e que gostaria de menciona-los por aqui, se me permitem: O primeiro é a sensação de ser um paciente, que é como um passeio constante em uma grande montanha russa emocional e isso vocês já sabem, já que escrevo por aqui semanalmente toda essa saga interna repleta de altos e baixos. Depois – e definitivamente não menos importante - vem a dualidade de forças quando você também se descobre um acompanhante nessa jornada.
Uma grande amiga de diagnóstico sugeriu no facebook que escrevesse sobre isso. Sua sogra faleceu recentemente, diagnosticada com o mesmo tipo de câncer que ela. É um tema delicado, mas confesso que me sinto segura para escreve-lo, já que dois anos depois do recebimento do meu diagnóstico descobrimos que minha mãe também entraria para as estatísticas e considerando que também já “perdi” algumas amigas que conviviam dentro dessa mesma rotina. O câncer da minha mãe, graças a detecção precoce, foi bem menos invasivo que o meu, com exceção a algumas cirurgias e aspectos emocionais que considero mais agressivos (ela retirou as duas mamas, útero, ovários e trompas).
Parece meio absurdo, mas tentarei explicar porque acredito que ser paciente, nessas horas, é uma situação um tanto quanto mais “segura”. Quando minha ficha caiu e realmente vi que minha mãe me faria companhia, minha primeira reação foi a de achar que tudo o que havia vivido - e principalmente sentido e agradecido - era na verdade uma grande mentira vivida e alimentada dentro da minha cabeça. Quando se é um paciente, a gente sabe que na verdade não existe outro caminho a percorrer que não seja o da sobrevivência. É por esse motivo que não me sinto nada heroína ou guerreira: Eu não tive escolha.... Era lutar ou morrer.
Mas ser acompanhante é diferente, totalmente diferente! Conviver com alguém diagnosticado lhe trás junto ao "pacote" uma das maiores sensações de impotência do mundo. Ainda mais no "combo": paciente + acompanhante. Esse é de tirar o fôlego! Você reconhece algumas dores e cicatrizes, por vezes chora o mesmo choro, se vê sentindo os mesmos medos e mesmo assim não consegue oferecer nada muito além da sua companhia e – poucas vezes - testemunho. Aí é que coisa meio que complica.
Quando se é acompanhante, a gente não sabe muito bem como prosseguir: Independe da gente.
Hoje, apenas um pouco mais amadurecida com essa ideia, abro meu coração e conto que quando soubemos que minha mãe também tinha câncer, eu (com toda minha curta bagagem cirúrgica, quimioterápica e radioterápica) não consegui inicialmente encara-la. Não sabia o que lhe dizer, o que sentir, como proceder... E enquanto me deparava com todas aquelas sensações e medos, fui naquele mesmo instante sentindo nossas historias se fundirem lenta, profunda e completamente, junto a cada palavra dita, cada sensação e reação.
O tempo ajudou? Sim, mas as vezes até hoje, quando a vejo sofrendo, preciso dos meus momentos de introspecção para realmente aceitar que algumas situações aqui na Terra não precisam de uma explicação concreta, além desse reconhecimento de aproveitarmos cada nova oportunidade de testarmos a nossa fé dentro da mais profunda situação abalável.
A verdade de um acompanhante? Ele sente muito medo! Eu tive medo pela minha mãe. Medo de não vê-la no meu casamento, de não cumprirmos juntas a nossa promessa de plantarmos uma pequena mangueira que futuramente serviria de balanço para seus também futuros netos no sitio. Tive medo de nunca mais conseguir olhar aquele sorriso com dentes tão milimetricamente certinhos, de esquecer com o tempo o calor que só o colo dela tem. Medo de perdê-la para o diagnostico, medo de também me enxergar dentro daquele diagnostico.
Peço desculpas às minhas companheiras de jornada, mas sinto que também preciso falar sobre isso. Muitas vezes, quando perdemos uma amiga, sentimos inicialmente a dor da saudade, mas depois nos deparamos com um dos sentimentos mais naturais desse mundo: O de sentir um enorme frio na barriga pelo assombro do câncer ao se deparar perguntando “O que realmente acontecerá com a minha vida?”.
Conversas duras a parte, reconhecer o medo da morte também nos mostra o valor contido dentro da existência de cada segundo vivido. Um dia, inevitalmente, iremos embora. Que a gente saiba reconhecer através dos nossos medos uma nova e diária oportunidade de renascimento. E isso, exatamente isso, nos coloca em mesmo patamar entre o universo dos pacientes e dos acompanhantes.
Stelinha, esse texto é pra você. Continue forte.
Cadê o seio que estava aqui?
13 centímetros.
Essa é a medida que sai mais especificamente do centro do corpo - logo abaixo do meu seio “comprado” - e que termina perto a região do braço. A marca física de um processo repleto de idas e vinda e que gerou uma outra marca um pouquinho mais larga do que essa citada.
Na minha fase de descoberta do câncer, lembro-me de ter acordado e colocado automaticamente a mão no seio esquerdo. Confesso que nem eu e nem a minha ginecologista na época tínhamos esse costume. Cresci ouvindo a respeito do diagnóstico como na história do Harry Potter, onde não se podia "nomear" o grande vilão da história para não atraí-lo.
Hoje, convivo com 13 centímetros que me fazem, diariamente, certa diferença frente ao espelho e na minha forma de enxergar os processos da vida. O mais estranho de escrever sobre isso é que mesmo 3 anos após o diagnóstico de câncer de mama e de um pouco mais de um ano desde a ultima cirurgia, esse assunto ainda é um grande mistério pra mim: Eu ainda não sei explicar a sensação que nasceu aqui dentro logo após o recebimento do diagnóstico e da notícia de ter que tirar completamente uma das mamas.
Inicialmente, sabia que tinha que ficar bem e aceitar toda aquela situação para não dificultar todo esse processo aos que me amam e que também estavam sofrendo com a notícia. Depois, fui me (re)descobrindo e assim, agradecendo a cada oportunidade de "renascer" tão jovem. Sem o diagnóstico, a probabilidade de amadurecer tão menina seria quase inexistente e não tenho vergonha em assumir isso. Se questionar o por quê das coisas faz parte do nosso processo individual e natural de aceitação, mas confesso que meu tempo de permanência dentro desse “buraco” durou até que relativamente pouco. Me questionei apenas uma vez sobre isso e no mesmo dia, olhei pra dentro e me perguntei friamente: ‘Pera aí, mas por que não comigo?’.
Colocar-me como um ser humano nada diferenciado de qualquer outro foi o que precisava para aceitar todo o diagnóstico e passar a me fazer a pergunta correta: "Em quem essa experiência com o câncer pode me transformar?".
E assim o câncer chegou, trouxe um milhão de coisas novas e só levou embora a minha mama. Que por sinal, graças às próteses, estão como eu sempre quis. O resto (pelos e cabelos) foram estados temporários e reversíveis. Meu foco era totalmente na cura. E como sempre fui muito vaidosa, aquele processo de perder pelos, cabelos e ganhar peso, foi de verdade, encarado como uma grande libertação. Mas foi o "meu" processo. Cada vez mais, acredito na ideia de que o nosso organismo não esteja acostumado a tantas agressões internas. O meu não estava. E a minha cabeça em relação às mudanças também não. Leva um tempo até você se acostumar e dizer que é natural. Esse tempo pode ser rápido para uns – como foi para mim - ou extremamente lento para outros.
Aceitar que não teria um seio natural foi um processo que, pelo menos pra mim, exigiu algumas longas e solitárias "conversas internas" frente ao espelho.
Hoje penso que são as minhas cicatrizes que mostram e relembram o meu caminho - e isso é lindo. Entre todas as minhas inseguranças e questionamentos sobre isso, também posso dizer com toda convicção e emoção desse mundo: a falta do meu seio também me ajudou na transformação de uma mulher um pouco mais forte, carregada de testemunhos... Mas talvez você, paciente com câncer de mama e também mastectomizada, talvez você não queria saber exatamente sobre essa fase mais grata de uma – pesadamente falando - mutilação. Talvez você se olhe no espelho e se questione de algo que independe dos seus pensamentos – e de suas reações: Como posso me “apresentar” a sociedade assim? Como posso retomar a minha vida, seguir em frente e ser aceita pelo meu parceiro com uma “bolinha” mais dura no lugar de um colo macio, ou também por vezes, sem essa bolinha...
Ai, eu também abro meu coração e te digo claramente: Tamojunto! Eu ainda me preocupo quando penso em expor o meu corpo futuramente, quando entro em um provador de roupas com uma amiga por perto ou quando penso em comprar - e usar - "aquele" biquíni todo moderno da estação... Mas, quer saber? Nessas horas eu também faço o exercício de lembrar a minha história! Então, como num processo meio que "passo a passo", respiro fundo e sinto um grande orgulho por chegar onde cheguei: Eu não sou – e nunca fui - aquilo que me falta!
Você também não é – e nunca será – aquilo que também te falta! E agradeço a maturidade que recebi junto aos meus 13 centímetros para reconhecer isso.
Você também não é – e nunca será – aquilo que também te falta! E agradeço a maturidade que recebi junto aos meus 13 centímetros para reconhecer isso.
Quanto ao colo macio e as cicatrizes, não se preocupe e reflita: Talvez, e apenas talvez, a aceitação do próximo dependa única e exclusivamente da sua.
Leve seu tempo para (se) aceitar... e depois, siga em frente!
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Domando as feras...
“Desde o começo do mundo que o homem sonha com a paz: Ela esta dentro de si mesmo. Ele tem a paz e não sabe. É só fechar os olhos e olhar pra dentro de si mesmo.” Roberto Carlos, em “Todos estão surdos”.
Quem afinal sou, quando fora de mim em minhas reações e atitudes?
Quem sou, quando me sinto insegura(o) ou ansiosa(o)?
Quem sou diante uma briga, um momento de aflição e tensão?
Quem sou, quando me sinto insegura(o) ou ansiosa(o)?
Quem sou diante uma briga, um momento de aflição e tensão?
Se meu texto já começa com uma carinha um tanto quanto “psiquiátrica”, juro que essa não é a intenção, mas você já parou para pensar em quantas pessoas cabem aí dentro de você mesmo?
Existem situações que nos colocam constantemente em“teste” e escrever sobre esse olhar de quem somos é um desafio e tanto, visto que para isso necessita-se uma pitadinha de reconhecimento - e bom humor para aceitar e compreender inúmeras imperfeições.
Aqui no meu universo, por exemplo, pessoas dizem que não conseguem me imaginar brava. Confesso que nem eu, até me deparar com inúmeras situações de estresseatualmente, como um teste prático à toda serenidade e paciência que tanto "prego" em textos e palavras: Mãe prestes a operar, questões e crises existenciais (sou humana, uai), tempo de exames de controle e que potencializam ainda mais nosso estresse quando chegam alterados...
E essas situações me fazem pensar de maneira mais profunda e me tornam mais introspectiva, mas também me fazem chegar a conclusão de que a beleza de cada momento de tormenta encontra-se justamente no reconhecimento de que dentro de cada um desses mesmosmomentos, encontra-se a oportunidade de manifestar algo que tanto lutamos e que encontra-se também preso dentro de nós.
Lembro-me com exatidão de todos os meus pedidos internos: Ser alguém mais forte, poder ser ouvida na multidão, ganhar o respeito das pessoas e por ai vai...
Mas aí o tal câncer chegou e descobri que receber minhas“graças” sem que batalhasse por isso seria uma atitude um tanto quanto injusta, pois nada nessa vida nos chega sem que antes tenhamos que batalhar por aquilo.
Como posso me tornar alguém mais forte se minha fé nunca for testada? Como posso ganhar o respeito de alguém, sem antes descobrir e assim reconhecer meus limites e amarras?
Dentro das famosas tormentas descritas em cada texto,encontram-se o seu tesouro, seu bem mais precioso: A oportunidade de SER verdadeiramente aquilo que tanto se propõe.
Mas as vezes a gente se descobre um pouco mais diferente do que o habitual, com outras personalidades, outras“feras” que estavam domadas - ou até mesmo escondidas dentro da gente. Se descobrir imperfeito é uma situação um tanto quando delicada, pois requer de nós um pouco de estrutura e uma grande porção de autoperdão.
E nesses momentos, onde parte de mim se (con)funde com algo que ainda não havia descoberto – e que em mim também habita – nasceu uma oração que gostaria de compartilhar com vocês (quem sabe também não ajuda,né? Caso precisem...)
“Pai.
Que eu consiga aceitar e manifestar todos os princípios que eu mesma Vos peço em minhas orações.
Que eu consiga entender que a vida é feita através da magia do “processo” e que saiba, então, respeitar o seu começo, o seu meio e o seu fim.
Que eu acredite cada vez mais que o começo é agora, assim como o fim. E que isso me faça querer mais e mais buscar ser o melhor meio, atemporalmente.
Que o meu meio seja o mais puro, e que eu consiga demonstrar essa pureza através dos meus olhos, dos meus olhares, sorrisos e palavras.
Que eu não perca nunca essa coragem para “seguir em frente”, e que eu receba sempre (sempre) de braços abertos, todas as minhas inseguranças e questionamentos.
Você acredita em mim. Você acredita na força que me deu. Você acredita nos meus braços, mas minhas mãos, pernas e raízes. Você sabe, mais do que ninguém, que sou uma árvore. Faça-me ter frutos. Faça-me sempre ser a sombra e o local de repouso do meu próprio interior.
Obrigada pela oportunidade de reconhecer o que é a Vida. Obrigada por me fazer ser a Vida, manifestada nas minhas próprias ações e reações. Que eu saiba reconhecer...
Obrigada por fazer de mim, muito mais do que pensei que seria.
Que assim seja. E assim, será.”
Quanto mais reconheço minhas pequineses, mais me empenho em ser alguém melhor por mim e para o mundo.
Afinal, de que vale levar uma vida inteira sendo fera? De que vale levar uma vida inteira sendoferida(o) ? E mais confuso ainda, mas não menos importante: De que vale levar uma vida inteira sendo ferida(o) por você mesma(o)?
E se é a vida que anda um tanto quanto confusa, saiba que não existe nada melhor do que uma boa musica e um leve sorriso o rosto: Talvez nada seja propriamente como imagina... Talvez o seu lado mais duro precise apenas de 5 minutos no microondas (ou de 5 “pi-pi´s”, como diria a minha vó Lolinha). Amoleça pra vida! Relaxe dentro de um abraço...
Eu não sei por quanto tempo a gente tende a ir nessa luta interna para ser alguém melhor. Talvez esse seja o processo mais eterno dentro da nossa existência. Mas sabe do que mais? Pra mim, não existe coisa mais gostosa na vida do que sensação constante de evolução.
E viva o recomeço!
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
Feliz vida nova
Começo de ano, época de renovar ideias e descobrir (ou redescobrir) ideais. Dentro de todos os balanços que fazemos durante 365 dias, esse é mais do que esperado, não é mesmo?
“Afinal, o que fiz por mim em 2014 e o que farei agora, nessa nova chance de 2015?”. “Começarei uma nova dieta?”, “Assistirei mais televisão ao lado dos meus pais?”, “Fecharei todos os ciclos abertos no decorrer do dia?”.
Lembro-me com exatidão de uma das três únicas perguntas que fiz ao meu médico no instante em que recebemos o diagnóstico:
- Dr. Fábio, seria muito pedir uma semana para pensar sobre tudo isso...?
E é exatamente ai que pacientes e seres comuns habitantes nesse grande planeta encontram-se e misturam: Nessa mesma magia dos planos, do fazer diferente... Do “quanto vale mesmo a minha vida?!”, nasce junto a coragem um desejo de renascimento, de (auto)cuidado... Nesse instante, a gente passa a rever alguns valores e conceitos, mudar algumas teorias, correr contra o tempo e – numa tentativa meio boba, até – reconstruir o passado.
2014 terminou e arrependo-me de não ter feito muitas coisas, como me havia prometido: Ainda não ando de bicicleta, não tenho uma sobremesa eleita como “a favorita” e não aprendi a correr mais que 500 metros sem precisar de socorro médico. São coisas pequenas, eu sei, mas não gostaria de “voltar para casa” sem ter experimentado o sabor da conquista de cada uma dessas sensações. Em contrapartida, fiz algo por mim que merece ser contemplado diariamente: Eu me permiti!
Me permiti ser mais madura dentro da minha casa e no trabalho, a dizer às pessoas como verdadeiramente me sinto e, mais do que isso, passei a compreendê-las (o que confesso, diminuiu consideravelmente a porcentagem de chateação e frustração em alguns fatos e situações). Mais do que isso - e muito longe de ser o menos importante - me permiti namorar um rapaz incrível, mesmo depois de ter jurado só me relacionar com alguém após o término do tratamento.
O prêmio pela minha coragem? Viver momentos e conhecer pessoas inesquecíveis. E esse texto existe para agradece-las, então: família que Deus me deu, família que Deus me presenteou: muito obrigada pelo milagre da vida de cada um de vocês.
No fim, meu balanço do ano está repleto de cores e movimento. O que aprendi a apreciar com muita temperança, graças a paciência de saber que cada minuto é único, assim como as pessoas e a atenção que posso render a cada uma delas. Em 2014, ganhei outros prêmios. Foi meio maluco subir em plena Sala São Paulo ao lado do João Carlos Martins para receber um troféu como “Excelência mulher”. Santa mãe de Deus, eu! Que me sinto ainda tão pequena... Em 2014, perdi pessoas que a dor causada pela falta da textura da pele ainda é uma cicatriz aberta - mas reconheço que ganhei grandes anjos da guarda.
A verdade é que em grande parte do ano, vivi como se fosse o último dia da minha jornada: Acordei tarde (coisa que amo verdadeiramente), entreguei meu tempo à pessoas que realmente precisam dele e dediquei-me a experimentar novos projetos, objetivos e conceitos.
À você, companheiro de jornada, que esse novo ano represente muito mais do que planos e metas: a magia da vida esta aí fora, esperando para ser vivida...
Vista seu melhor sorriso... E feliz (re)começo!
“Afinal, o que fiz por mim em 2014 e o que farei agora, nessa nova chance de 2015?”. “Começarei uma nova dieta?”, “Assistirei mais televisão ao lado dos meus pais?”, “Fecharei todos os ciclos abertos no decorrer do dia?”.
Lembro-me com exatidão de uma das três únicas perguntas que fiz ao meu médico no instante em que recebemos o diagnóstico:
- Dr. Fábio, seria muito pedir uma semana para pensar sobre tudo isso...?
E é exatamente ai que pacientes e seres comuns habitantes nesse grande planeta encontram-se e misturam: Nessa mesma magia dos planos, do fazer diferente... Do “quanto vale mesmo a minha vida?!”, nasce junto a coragem um desejo de renascimento, de (auto)cuidado... Nesse instante, a gente passa a rever alguns valores e conceitos, mudar algumas teorias, correr contra o tempo e – numa tentativa meio boba, até – reconstruir o passado.
2014 terminou e arrependo-me de não ter feito muitas coisas, como me havia prometido: Ainda não ando de bicicleta, não tenho uma sobremesa eleita como “a favorita” e não aprendi a correr mais que 500 metros sem precisar de socorro médico. São coisas pequenas, eu sei, mas não gostaria de “voltar para casa” sem ter experimentado o sabor da conquista de cada uma dessas sensações. Em contrapartida, fiz algo por mim que merece ser contemplado diariamente: Eu me permiti!
Me permiti ser mais madura dentro da minha casa e no trabalho, a dizer às pessoas como verdadeiramente me sinto e, mais do que isso, passei a compreendê-las (o que confesso, diminuiu consideravelmente a porcentagem de chateação e frustração em alguns fatos e situações). Mais do que isso - e muito longe de ser o menos importante - me permiti namorar um rapaz incrível, mesmo depois de ter jurado só me relacionar com alguém após o término do tratamento.
O prêmio pela minha coragem? Viver momentos e conhecer pessoas inesquecíveis. E esse texto existe para agradece-las, então: família que Deus me deu, família que Deus me presenteou: muito obrigada pelo milagre da vida de cada um de vocês.
No fim, meu balanço do ano está repleto de cores e movimento. O que aprendi a apreciar com muita temperança, graças a paciência de saber que cada minuto é único, assim como as pessoas e a atenção que posso render a cada uma delas. Em 2014, ganhei outros prêmios. Foi meio maluco subir em plena Sala São Paulo ao lado do João Carlos Martins para receber um troféu como “Excelência mulher”. Santa mãe de Deus, eu! Que me sinto ainda tão pequena... Em 2014, perdi pessoas que a dor causada pela falta da textura da pele ainda é uma cicatriz aberta - mas reconheço que ganhei grandes anjos da guarda.
A verdade é que em grande parte do ano, vivi como se fosse o último dia da minha jornada: Acordei tarde (coisa que amo verdadeiramente), entreguei meu tempo à pessoas que realmente precisam dele e dediquei-me a experimentar novos projetos, objetivos e conceitos.
À você, companheiro de jornada, que esse novo ano represente muito mais do que planos e metas: a magia da vida esta aí fora, esperando para ser vivida...
Vista seu melhor sorriso... E feliz (re)começo!
sábado, 22 de março de 2014
Reinado
- Senhora Célia, boa tarde. Preciso que sente- se aqui, tenho uma historia para lhe contar...
(...)
Em determinado ponto, em determinado tempo... Nossas histórias se cruzam.
Como nos filmes, em suas lentas - e mais intensas - cenas.
No mes de dezembro, exatamente no dia em que completava dois anos de diagnóstico, encontrávamos sentados em mais uma sala gelada, dessa vez repleta de pastilhas em tons de marrom e verde. Frente a mesa da recepção, encontrava-se um grande Papai Noel com brilhantes vestes brancas e um ar bem sereno.
Nos sentamos em um silencio ensurdecedor. Estiquei um dos braços e segurei firmemente por alguns eternos segundos sua mão gelada pelo efeito da ansiedade. Ela já sabia o que estava por vir. Seu organismo a compreendia, trabalhando em um conjunto de respirações ofegantes e em suas encorajadas puxadas de ar.
Com a outra mão, direcionei delicadamente ao colo uma grande pasta repleta de exames e laudos.
Naquele dia, eu não consegui encara-la. Não sabia o que lhe dizer, o que sentir, como proceder... E foi naquele instante que nossas historias se fundiram lenta e completamente, junto a cada palavra dita, cada sensação e reação.
(...)
Então, longos meses depois, ela finalmente chorou e desabou... Seu novo universo surgiu, como um grande solo que se abre diante ao abismo do medo e da insegurança.
Chorou como quem gasta o ultimo fio de esperança, como se tudo estivesse opaco. Minha mãe tateava as paredes do seu emocional, tentando (se) encontrar dentro de um pequeno quarto escuro.
Pra mim, agachada em um box apertado e ainda de pijama, me restou apenas o direito de assistir silenciosamente seus olhos vermelhos pelo choro e sua expressão de desespero.
- Me desculpe pela fraqueza, filha... É que a ficha caiu...
Ali, nos entreolhamos e por longos minutos, choramos juntas e em um ritmo só nosso. O caminho que eu já conhecia e que agora não estava mais sozinha, junto a um bocado de lagrimas que escorriam sentido a mesma agua quente que a banhava.
Seus seios cortados, sua alma voltando ao eixo, seu corpo se recompondo de um processo tão invasivo...
- Isso passa, filha?
- Sim, mas não será a ultima vez, Ma. Você é forte, só esta passando por um momento de fraqueza.... Isso acontece comigo até hoje e eu ainda choro bastante, sabia?
(...)
Alguns minutos depois e já trocada, caminhamos de mãos dadas sentido à linda vista do pomar repleto de frutas quase maduras e borboletinhas tão pequeninas - quando comparadas as folhas das arvores.
- Mãe, você reparou que durante todo seu pós operatório, você teve mais uma companheira? Veja só essa linda borboleta... Preste atenção nas suas asas, nesse tom de azul quase branco, como o céu claro que esta fazendo hoje. Você completará 2 semanas de pós operatório... E ela, duas semanas de vida. Viu como essas asas estão "machucadinhas" pelo vento e outros fatores externos? Preste atenção nela, mamãe. O que você vê?
- Ela continua voando mesmo assim... E continua maravilhosamente linda, mesmo assim!
(...)
Então, minha querida mamãe, passado todo esse susto: Eu também tenho uma historia para lhe contar...
É a historia de uma linda borboleta - a mais linda de todo um reinado. Essa borboleta era diferente das outras... Não por suas indecifráveis cores, mas pela delicadeza ao bater suas grandes e pesadas asas.
A borboletinha azul e de asas cortadas pelo vento nos ajudou com as frutas do pomar e me mostrou que você continua maravilhosamente linda, mesmo diante esse processo.
Orgulho de você, minha borboletinha azul.
Ela irá embora com a sensação de dever cumprido, porque reconheceu seu objetivo.
E você? Você ficará... Para continuar a jornada mais linda e também mais intensa de toda a sua vida.
Aperte os cintos e nos faça o favor de aprender com ela: Continue voando...
(...)
Em determinado ponto, em determinado tempo... Nossas histórias se cruzam.
Como nos filmes, em suas lentas - e mais intensas - cenas.
No mes de dezembro, exatamente no dia em que completava dois anos de diagnóstico, encontrávamos sentados em mais uma sala gelada, dessa vez repleta de pastilhas em tons de marrom e verde. Frente a mesa da recepção, encontrava-se um grande Papai Noel com brilhantes vestes brancas e um ar bem sereno.
Nos sentamos em um silencio ensurdecedor. Estiquei um dos braços e segurei firmemente por alguns eternos segundos sua mão gelada pelo efeito da ansiedade. Ela já sabia o que estava por vir. Seu organismo a compreendia, trabalhando em um conjunto de respirações ofegantes e em suas encorajadas puxadas de ar.
Com a outra mão, direcionei delicadamente ao colo uma grande pasta repleta de exames e laudos.
Naquele dia, eu não consegui encara-la. Não sabia o que lhe dizer, o que sentir, como proceder... E foi naquele instante que nossas historias se fundiram lenta e completamente, junto a cada palavra dita, cada sensação e reação.
(...)
Então, longos meses depois, ela finalmente chorou e desabou... Seu novo universo surgiu, como um grande solo que se abre diante ao abismo do medo e da insegurança.
Chorou como quem gasta o ultimo fio de esperança, como se tudo estivesse opaco. Minha mãe tateava as paredes do seu emocional, tentando (se) encontrar dentro de um pequeno quarto escuro.
Pra mim, agachada em um box apertado e ainda de pijama, me restou apenas o direito de assistir silenciosamente seus olhos vermelhos pelo choro e sua expressão de desespero.
- Me desculpe pela fraqueza, filha... É que a ficha caiu...
Ali, nos entreolhamos e por longos minutos, choramos juntas e em um ritmo só nosso. O caminho que eu já conhecia e que agora não estava mais sozinha, junto a um bocado de lagrimas que escorriam sentido a mesma agua quente que a banhava.
Seus seios cortados, sua alma voltando ao eixo, seu corpo se recompondo de um processo tão invasivo...
- Isso passa, filha?
- Sim, mas não será a ultima vez, Ma. Você é forte, só esta passando por um momento de fraqueza.... Isso acontece comigo até hoje e eu ainda choro bastante, sabia?
(...)
Alguns minutos depois e já trocada, caminhamos de mãos dadas sentido à linda vista do pomar repleto de frutas quase maduras e borboletinhas tão pequeninas - quando comparadas as folhas das arvores.
- Mãe, você reparou que durante todo seu pós operatório, você teve mais uma companheira? Veja só essa linda borboleta... Preste atenção nas suas asas, nesse tom de azul quase branco, como o céu claro que esta fazendo hoje. Você completará 2 semanas de pós operatório... E ela, duas semanas de vida. Viu como essas asas estão "machucadinhas" pelo vento e outros fatores externos? Preste atenção nela, mamãe. O que você vê?
- Ela continua voando mesmo assim... E continua maravilhosamente linda, mesmo assim!
(...)
Então, minha querida mamãe, passado todo esse susto: Eu também tenho uma historia para lhe contar...
É a historia de uma linda borboleta - a mais linda de todo um reinado. Essa borboleta era diferente das outras... Não por suas indecifráveis cores, mas pela delicadeza ao bater suas grandes e pesadas asas.
A borboletinha azul e de asas cortadas pelo vento nos ajudou com as frutas do pomar e me mostrou que você continua maravilhosamente linda, mesmo diante esse processo.
Orgulho de você, minha borboletinha azul.
Ela irá embora com a sensação de dever cumprido, porque reconheceu seu objetivo.
E você? Você ficará... Para continuar a jornada mais linda e também mais intensa de toda a sua vida.
Aperte os cintos e nos faça o favor de aprender com ela: Continue voando...
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